DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
AOS PARTICIPANTES NA CONFERÊNCIA MUNDIAL
DOS INSTITUTOS SECULARES

Sábado, 3 de Fevereiro de 2007

Queridos irmãos e irmãs

Sinto-me feliz por estar hoje convosco, membros dos Institutos Seculares, que encontro pela primeira vez depois da minha eleição para a Cátedra do Apóstolo Pedro. Saúdo-vos a todos com afecto. Saúdo o Cardeal Franc Rodé, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, e agradeço-lhe as expressões de filial devoção e espiritual proximidade dirigidas a mim também em vosso nome. Saúdo o Cardeal Cottier e o Secretário da vossa Congregação. Saúdo a Presidente da Conferência Mundial dos Institutos Seculares, que se fez intérprete dos sentimentos e das expectativas de todos vós que viestes de diversos países de todos os continentes para celebrar um Simpósio internacional sobre a Constituição apostólica Provida Mater Ecclesia.

Como já foi dito, passaram 60 anos daquele 2 de Fevereiro de 1947, quando o meu Predecessor Pio XII promulgou esta Constituição apostólica, dando assim uma configuração teológico-jurídica a uma experiência preparada nos decénios precedentes, e reconhecendo nos Institutos Seculares um dos inúmeros dons com que o Espírito Santo acompanha o caminho da Igreja e a renova em todos os séculos. Aquele acto jurídico não representou o ponto de chegada, mas o ponto de partida de um caminho destinado a delinear uma nova forma de consagração: a de fiéis leigos e presbíteros diocesanos, chamados a viver com radicalidade evangélica exactamente aquela secularidade na qual eles estão imersos em virtude da condição existencial ou do ministério pastoral. Hoje, estais aqui para continuar a traçar o percurso iniciado há sessenta anos, que vos vê cada vez mais apaixonados portadores, em Cristo Jesus, do sentido do mundo e da história. A vossa paixão nasce da descoberta da beleza de Cristo, do seu modo único de amar, encontrar, curar a vida, alegrá-la, confortá-la. É esta a beleza que as vossas vidas querem cantar, para que o vosso estar no mundo seja sinal do vosso estar em Cristo.

Com efeito, é o mistério da Encarnação ("Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito": Jo 3, 16) que torna a vossa inserção nas vicissitudes humanas lugar teológico. A obra da salvação realizou-se não em contraposição, mas dentro e através da história dos homens. Em relação a isso, a Carta aos Hebreus observa: "Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho" (1, 1-2a). O próprio acto redentor realizou-se no contexto do tempo e da história, significando obediência ao desígnio de Deus inscrito na obra criada pelas suas mãos. É ainda o mesmo texto da Carta aos Hebreus, texto inspirado, a revelar: "Disse primeiro: "Não quiseste nem te agradaram sacrifícios, oferendas e holocaustos pelos pecados", e, no entanto, eram oferecidos segundo a Lei. Disse em seguida: "Eis que venho para fazer a tua vontade"" (10, 8-9a). Estas palavras do Salmo que a Carta aos Hebreus vê expressas no diálogo intratrinitário, são palavras do Filho que diz ao Pai: "Eis-me, venho fazer a tua vontade".

E assim se realiza a Encarnação: "Eis-me, venho fazer a tua vontade". O Senhor envolve-nos nas suas palavras que se tornam nossas: eis-me, venho com o Senhor, com o Filho, fazer a tua vontade.

Dessa maneira, o caminho da vossa santificação é delineado com clareza: a adesão oblativa ao desígnio salvífico manifestado na Palavra revelada, a solidariedade com a história, a busca da vontade do Senhor inscrita nas vicissitudes humanas governadas pela sua providência. E, ao mesmo tempo, reconhecem-se as características da missão secular: o testemunho das virtudes humanas, como "a justiça, a paz, a alegria" (Rm 14, 17), o "comportamento exemplar" do qual fala Pedro na sua Primeira Carta (cf. 2, 12) fazendo ressoar a palavra do Mestre: "Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu" (Mt 5, 16). Faz parte também da missão secular o compromisso pela construção de uma sociedade que reconheça nos vários âmbitos a dignidade da pessoa e os valores irrenunciáveis para a sua plena realização: da política à economia, da educação ao empenho pela saúde pública, da administração dos serviços à pesquisa científica.

Cada realidade própria e específica vivida pelo cristão, o seu trabalho e os seus interesses concretos, mesmo conservando a sua relativa consistência, encontram o seu fim último no estar envolvidos pela mesma finalidade com a qual o Filho de Deus veio ao mundo. Portanto, vos sentis chamados a agir em virtude de cada dor, injustiça, assim como de cada busca de verdade, de beleza e de bondade, não porque tendes a solução para todos os problemas, mas porque cada circunstância em que o homem vive e morre constitui para vós a ocasião de testemunhar a obra salvífica de Deus. Esta é a vossa missão. A vossa consagração evidencia, por um lado, a particular graça que vos vem do Espírito para a realização da vocação, por outro, empenha-vos a uma total docilidade de mente, de coração e de vontade ao projecto de Deus Pai revelado em Cristo Jesus, para cuja sequela radical fostes chamados.

Cada encontro com Cristo requer uma mudança profunda de mentalidade, mas para alguns, como aconteceu convosco, a chamada do Senhor é particularmente exigente: deixar tudo, porque Deus é tudo e será tudo na vossa vida. Não se trata simplesmente de um modo diferente de relacionar-vos com Cristo e de exprimir a vossa adesão a Ele, mas de uma escolha de Deus que, de modo estável, exige de vós uma confiança absolutamente total n'Ele. Conformar a própria vida com a de Cristo entrando nestas palavras, conformar a própria vida com a de Cristo através da prática dos conselhos evangélicos é uma nota fundamental e vinculante que, na sua especificidade, exige empenhos e gestos concretos, de "alpinistas do espírito", como vos quis chamar o venerado Papa Paulo VI (Discurso aos participantes no 1º Congresso Internacional dos Institutos Seculares: Insegnamenti, VIII, 1970, p. 939).

O carácter secular da vossa consagração evidencia, por um lado, os meios que utilizais para a realizar, isto é, aqueles próprios de cada homem e mulher que vive em condições comuns no mundo, e por outro, a forma do seu desenvolvimento, ou seja, de uma relação profunda com os sinais dos tempos que sois chamados a discernir, pessoal e comunitariamente, à luz do Evangelho. Muitas vezes, com competência, foi delineado o vosso carisma exactamente neste discernimento, para que possais ser laboratório de diálogo com o mundo, aquele "laboratório experimental no qual a Igreja verifica as modalidades concretas das suas relações com o mundo" (Paulo VI, Discurso aos Responsáveis gerais dos Institutos Seculares: Insegnamenti, XIV, 1976, p. 676).

Precisamente disto deriva a persistente actualidade do vosso carisma, porque este discernimento deve ser feito não a partir de fora da realidade, mas do seu interior, através de um envolvimento completo. Isto acontece por meio das relações quotidianas que podeis tecer nos relacionamentos familiares e sociais, na actividade profissional, no tecido das comunidades civil e eclesial. O encontro com Cristo, o pôr-se no seu seguimento abre de par em par e impele ao encontro com todos, porque se Deus se realiza somente na comunhão, também o homem só na comunhão trinitária encontrará a sua plenitude.

Não vos é pedido que instituais particulares formas de vida, de empenho apostólico, de intervenções sociais, excepto o que pode nascer nas relações pessoais, fontes de riqueza profética. Como o fermento que faz crescer toda a farinha (cf. Mt 13, 33), assim seja a vossa vida, às vezes silenciosa e escondida, mas sempre decidida e encorajadora, capaz de gerar esperança. O lugar do vosso apostolado é, portanto, todo o humano, não só dentro da comunidade cristã onde a relação se sustenta na escuta da Palavra e na vida sacramental, na qual vos apoiais para manter a identidade baptismal repito, o lugar do vosso apostolado é todo humano, tanto dentro da comunidade cristã como na comunidade civil onde a relação se actua na busca do bem comum, no diálogo com todos, chamados a testemunhar aquela antropologia cristã que constitui proposta de sentido numa sociedade desorientada e confusa pelo clima multicultural e multirreligioso que a caracteriza.

Vindes de diversos países, diversas são as situações culturais, políticas e também religiosas nas quais viveis, trabalhais, envelheceis. Em todas elas sois pesquisadores da Verdade, da humana revelação de Deus na vida. Sabemos que a estrada é longa, cujo presente é apreensivo, mas o êxito está garantido. Anunciai a beleza de Deus e da sua criação. No exemplo de Cristo, sede obedientes ao amor, homens e mulheres de mansidão e misericórdia, capazes de percorrer as estradas do mundo, fazendo somente o bem. As vossas sejam vidas que coloquem no centro as Beatitudes, contradizendo a lógica humana, para exprimir uma incondicionada confiança em Deus que quer o homem feliz. A Igreja tem necessidade também de vós para dar cumprimento à sua missão. Sede semente de santidade lançada em abundância nos sulcos da história. Radicados na acção gratuita e eficaz com que o Espírito do Senhor está a guiar as vicissitudes humanas, possais dar frutos de fé genuína, escrevendo com a vossa vida e com o vosso testemunho parábolas de esperança, escrevendo-as com as obras sugeridas pela "fantasia da caridade" (João Paulo II, Carta Ap. Novo millennio ineunte, 50).

Com estes votos, ao garantir-vos a minha constante oração, concedo-vos uma especial Bênção Apostólica como apoio para as vossas iniciativas de apostolado e de caridade.

SECRETARIA DE ESTADO

Vaticano, 18.07.2012

+Tarcisio Card. Bertone
Secretário de Estado

Caríssima Senhora,

É-me grato fazer chegar aos membros dos Institutos Seculares a presente Mensagem do Santo Padre, por ocasião do Congresso que se celebra em Assis e que está sendo organizado pela Conferência Mundial dos Institutos Seculares com a finalidade de tratar do tema A escuta da palavra de Deus “nos sulcos da história”: a secularidade fala à congregação.

Esta importante temática enfatiza a vossa identidade como pessoas consagradas que, vivendo no mundo a liberdade interior e a plenitude do amor derivantes dos conselhos evangélicos, se reconhecem como homens e mulheres capazes de um profundo olhar e do bom testemunho inseridos na história. Nosso tempo ascende à vida e à fé, interrogando profundamente e, ao mesmo tempo, manifestando o mistério da nupcialidade de Deus. Na realidade, o Verbo que se fez carne celebra as núpcias de Deus com a humanidade de cada tempo. É o mistério de séculos em séculos escondido na mente do Criador do Universo (cfr. Ef 3,9) e manifestado na Encarnação, projetado para sua realização futura, pois entrelaçado hoje, como força redentora e unificadora.

Inseridos na humanidade a caminho, inspirados pelo Espírito Santo, podereis reconhecer os sinais discretos e, por vezes, escondidos, que revelam a presença de Deus. Somente através da força da graça, que é Dom do Espírito, podereis avistar, nos caminhos muitas vezes tortuosos dos acontecimentos humanos, a orientação para a plenitude da vida em abundância. Um dinamismo que representa, além da aparência, no verdadeiro sentido da história, os desígnios de Deus. A vossa vocação é a de estar no mundo, assumindo todos os cargos, com um olhar humano que coincida sempre com o divino, de onde brota um compromisso original, peculiar, fundamentado na consciência de que Deus escreve sua história de salvação na trama dos acontecimentos de nossa história.

Neste sentido, a vossa identidade reflete também um aspecto de vossa missão na Igreja: ajudá-la a realizar sua presença no mundo, à luz das palavras do Concílio Vaticano II: “Nenhuma ambição terrena empurra a Igreja; ela somente busca isto: continuar, sob a luz do Espírito Consolador, a mesma obra de Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, salvar, não condenar, servir, não ser servido (Gaudium et Spes, 3). A teologia da história é parte essencial da nova evangelização, porque os homens de nosso tempo têm necessidade de reencontrar um olhar global sobre o mundo e sobre o tempo, um olhar verdadeiramente livre e pacífico (cfr. Bento XVI, Homilia na Santa Missa para a nova evangelização, 16 de outubro de 2011). O mesmo Concílio nos recorda que a relação entre a Igreja e o mundo há de ser vivida como sinal de reciprocidade, evidenciando que não é só a Igreja se doando ao mundo, contribuindo para fazer mais humana a família dos homens e suas histórias; mas também o mundo se doando à Igreja, de modo tal que ela possa compreendê-lo melhor e viver melhor sua missão (cfr. Gaudium ed Spes, 40-45).

Os trabalhos propostos neste congresso se convergem para o tema específico da consagração secular, na busca de como a secularidade fala à consagração, de como, em vossas vidas, os traços característicos de Jesus, pobre, casto e obediente, adquirem uma típica e permanente “visibilidade” no meio do mundo (cfr. Esort. Ap. Vida Consagrada, 1). Sua Santidade deseja assinalar três âmbitos sobre os quais concentrar a atenção.

Em primeiro lugar, a doação total de vossas vidas como resposta a um encontro pessoal e vital com o amor de Deus. Vós descobristes que Deus é tudo em vossas vidas, decidistes dar tudo a Deus, fazendo-o de modo peculiar: permanecendo leigos entre os leigos, presbíteros entre os presbíteros. Isso exige particular vigilância, porque vossos estilos de vida manifestem a riqueza, a beleza e a radicalidade dos conselhos evangélicos.

Em segundo lugar, a vida espiritual. Ponto firme e irrenunciável, referência segura para nutrir aquele desejo de fazer-se unidade em Cristo, que é força da existência total de todo cristão, sobretudo de quem respondeu a um chamado radical de doação de si. A medida da profundidade da vossa vida espiritual não são as muitas atividades que exigem vossos esforços, mas sim a capacidade de buscar a Deus no coração, mesmo em cada acontecimento, e de reconduzir para Cristo. É o “reunir” em Cristo todas as coisas, como fala São Paulo (cfr. Ef 1,10). Somente em Cristo, Senhor da história, toda a história e todas as histórias encontram sentido e unidade.

Na oração bem como na escuta da Palavra de Deus se alimenta este anseio. Na celebração Eucarística encontrastes a razão de vos fazer pão de Amor repartido para os homens. Na contemplação, no olhar de fé iluminado pela graça, enraíza-se o compromisso de compartilhar com cada homem e com cada mulher as inquietações profundas que neles habitam, para construir esperança e confiança.

Em terceiro lugar, a formação, que não negligencia nenhuma idade estabelecida, porque se trata de viver a própria vida em plenitude, educando-se na sapiência sempre consciente da criatura humana e da grandeza do Criador. Buscai conteúdos e modalidades de uma formação que vos faça leigos e presbíteros capazes de vos interrogar pelas complexidades que o mundo de hoje atravessa e, ainda, capazes de permanecer abertos às inquietações provenientes das relações com os irmãos que encontrais em vossos caminhos, de vos comprometer em discernimento da história e da luz da Palavra de Vida. Sede disponíveis para construir, com todos os que buscam a verdade, projetos de bem comum, sem soluções preconcebidas e sem medo das perguntas que ficam sem respostas, e sempre prestes a colocar em risco a própria vida, com a certeza que o grão de trigo, quando cai na terra, dá muito fruto (cfr. Gv 12,24). Sede criativos, porque o Espírito constrói novidades; alimentai olhares capazes de futuro e raízes sólidas em Cristo Senhor, para poder comunicar também ao nosso tempo a experiência do amor que está na base da vida de todo homem. Abraçai caritativamente as feridas do mundo e da Igreja. Acima de tudo, vivei uma vida coerente e plena, acolhedora e capaz de perdoar, por estar fundada em Jesus Cristo, Palavra definitiva de Amor de Deus pelo homem.

Entretanto o Sumo Pontífice lhe faz chegar estas reflexões, assegurando para o Congresso e Assembleia uma especial recordação na oração, invocando a intercessão da Bem Aventurada Virgem Maria, que viveu no mundo a perfeita consagração a Deus em Cristo. De todo coração ele vos envia, e a todos os participantes, as Bênçãos Apostólicas.

Também me uno pessoalmente a ele, com meus melhores auspícios, e aproveito desta oportunidade para exprimir minha reconhecida estima.

OS INSTITUTOS SECULARES E A COMUNHÃO ECLESIÁSTICA

 

João Braz Cardeal DE AVIZ
Prefeito da CIVCSVA

Caríssimos e Consagrados Leigos e Leigas e caríssimos sacerdotes dos institutos seculares.

Estou feliz de estar aqui entre vós no início destes dias tão cheios de expectativas; dias durante os quais estarão empenhados, primeiro, no Congresso, um lugar de escuta, de troca de ideias e de elaboração, e, a seguir, na Assembleia. Trata-se de um encontro particularmente importante este ano em que serão aprovados os novos Estatutos. Sobre isso, o meu desejo é que, a experiência de aprofundar o olhar nas normas reguladoras do caminho comum, cujas formas estão elaborando, seja útil para viver em plenitude a comunhão, sem anular as diferenças, mas para caminhar juntos, cada um no seu próprio passo, dentro do mesmo sulco: o sulco da secularidade consagrada. Somente assim, por se tratar (porque certamente se trata) de um percurso complexo, poderão produzir frutos para o bem.

A minha presença é expressão da comunhão que liga a Conferência mundial dos Institutos seculares ao Santo Padre, através da Congregação para os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica. Trata-se daquele Sentire cum Ecclesia, numero 46 da Exortação Apostólica Vita Consecrata, cujas primeiras palavras releio agora: “Uma grande tarefa é confiada à vida consagrada, também à luz da doutrina sobre a Igreja-comunhão, com tanto vigor proposta pelo Concílio Vaticano II. Pede-se às pessoas consagradas que sejam verdadeiramente conhecedoras de comunhão e que pratiquem a sua espiritualidade, como «testemunhas e artífices daquele “projeto de comunhão” que está no topo da história do homem segundo Deus». O sentido da comunhão eclesial, desenvolvendo-se em espiritualidade de comunhão, promove uma maneira de pensar, falar e agir que faz crescer a igreja em profundidade e em extensão. De fato, a vida de comunhão «torna-se um sinal para o mundo e uma força atrativa que leva a crer em Cristo [...]. De tal forma, a comunhão abre-se à missão, torna-se ela a própria missão», ou melhor, «a comunhão gera comunhão e configura-se essencialmente como comunhão missionária».

Retomo aqui as palavras do Santo Padre Bento XVI dirigidas à Senhora Ewa Kusz, presidente do Conselho executivo, enviadas através do Secretário de Estado +Tarcisio Cardeal Bertone, que acabam de ser lidas:

“Os trabalhos propostos neste congresso se convergem para o tema específico da consagração secular, na busca de como a secularidade fala à consagração, de como, em vossas vidas, os traços característicos de Jesus, pobre, casto e obediente, adquirem uma típica e permanente “visibilidade” no meio do mundo (cfr. Esort. Ap. Vida Consagrada, 1). Sua Santidade deseja assinalar três âmbitos sobre os quais concentrar a atenção.

Em primeiro lugar, a doação total de vossas vidas como resposta a um encontro pessoal e vital com o amor de Deus. Vós descobristes que Deus é tudo em vossas vidas, decidistes dar tudo a Deus, fazendo-o de modo peculiar: permanecendo leigos entre os leigos, presbíteros entre os presbíteros. Isso exige particular vigilância, porque vossos estilos de vida manifestam a riqueza, a beleza e a radicalidade dos conselhos evangélicos.

Em segundo lugar, a vida espiritual. Ponto firme e irrenunciável, referência segura para nutrir aquele desejo de fazer-se unidade em Cristo, que é força da existência total de todo cristão, sobretudo de quem respondeu a um chamado radical de doação de si. A medida da profundidade da vossa vida espiritual não são as muitas atividades que exigem vossos esforços, mas sim a capacidade de buscar a Deus no coração, mesmo em cada acontecimento, e de reconduzir para Cristo. É o “reunir” em Cristo todas as coisas, como fala São Paulo (cfr. Ef 1,10). Somente em Cristo, Senhor da história, toda a história e todas as histórias encontram sentido e unidade.

Na oração, bem como na escuta da Palavra de Deus, se alimenta este anseio. Na celebração Eucarística encontrastes a razão de vos fazer pão de Amor repartido para os homens. Na contemplação, no olhar de fé iluminado pela graça, enraíza-se o compromisso de compartilhar com cada homem e com cada mulher as inquietações profundas que neles habitam, para construir esperança e confiança.

Em terceiro lugar, a formação, que não negligencia nenhuma idade estabelecida, porque se trata de viver a própria vida em plenitude, educando-se na sapiência sempre consciente da criatura humana e da grandeza do Criador. Buscai conteúdos e modalidades de uma formação que vos faça leigos e presbíteros capazes de vos interrogar pelas complexidades que o mundo de hoje atravessa e, ainda, capazes de permanecer abertos às inquietações provenientes das relações com os irmãos que encontrais em vossos caminhos, de vos comprometer em discernimento da história e da luz da Palavra de Vida. Sedes disponíveis para construir, com todos os que buscam a verdade, projetos de bem comum, sem soluções preconcebidas e sem medo das perguntas que ficam sem respostas, e sempre prestes a colocar em risco a própria vida, com a certeza que o grão de trigo, quando cai na terra, dá muito fruto (cfr. Gv 12,24). Sedes criativos, porque o Espírito constrói novidades; alimentai olhares capazes de futuro e raízes sólidas em Cristo Senhor, para poder comunicar também ao nosso tempo a experiência do amor que está na base da vida de todo homem. Abraçai caritativamente as feridas do mundo e da Igreja. Acima de tudo, vivam uma vida coerente e plena, acolhedora e capaz de perdoar, por estar fundada em Jesus Cristo, Palavra definitiva de Amor de Deus pelo homem.” (Secretaria de Estado, Carta de 18.09.2012, n. 201.643).

É justamente na comunhão eclesial que queria me concentrar aqui hoje, não para diminuir a importância à temática específica deste Congresso, sobre a qual terão a ocasião de refletir nestes dias, mas quase para delinear um contexto, traçar como que um horizonte de sentido, no qual possam inserir as vossas reflexões.

A vocação que carregam só tem sentido a partir do vosso enraizamento na Igreja, porque a vossa missão é a missão da Igreja. Na oração sacerdotal, contida no Evangelho de João, a intensidade da relação entre Pai e Filho forma uma unidade com a força da missão de amor. É realizando essa comunhão de amor que a Igreja se torna sinal e instrumento capaz de criar comunhão com Deus e entre os homens. (cf. Lumen Gentium 1).

Por isso, já Paulo VI vos exortava: “Não vos deixeis surpreender, nem tocar pela tentação hoje demasiado fácil, de que seja possível uma autêntica comunhão com Cristo sem uma real harmonia com a comunidade eclesial regida pelos legítimos pastores. Seria enganador e ilusório. O que valeria um indivíduo ou um grupo, mesmo se com as melhores e mais perfeitas intenções, sem esta comunhão? Cristo pediu-a como garantia para nos admitir à comunhão com Ele, da mesma forma que nos pediu que amássemos o próximo, como prova do nosso amor a Ele” (Paulo VI, Alocução ‘Mais uma vez’ aos Superiores dos Institutos Seculares, 20 de Setembro 1972).

E de forma ainda mais comovente Bento XVI repetia: “A Igreja precisa também de vós para completar a sua missão ... Sedes semente de santidade deitados (deitado) de mãos cheias nos sulcos da história”. Não há comunhão que não se abra continuamente para a missão, nem missão que não se origine da comunhão. Os dois aspectos tocam o coração vivo e palpitante de toda a Igreja, permitindo-lhe uma nova leitura da realidade, uma procura de sentido e, até, também de soluções que querem ser uma resposta, certamente parcial, mas de um coração cada vez mais autenticamente evangélico.

Uma outra consideração inspira-me na escolha deste assunto. É a seguinte: uma das primeiras preocupações que me foram apresentadas como Prefeito, nos encontros com os Institutos seculares, foi “dentro da Igreja somos pouco conhecidos ou mal conhecidos”.

O laço profundo que há entre conhecimento e comunhão parece-me fundamental, num duplo sentido. Só através do conhecimento, que significa escuta, atenção, sintonia de coração, pode nascer a comunhão que, por sua vez, gera autêntico conhecimento, mesmo porque vai à raiz do essencial e dilata a capacidade de encontro.

Por esta razão, omitindo agora o pensar sobre a comunhão em cada Instituto (assunto que mereceria uma reflexão separada), concentro-me em alguns pontos referentes à comunhão eclesial. Faço-o partindo daquele Documento que a Sagrada Congregação dos Religiosos e os Institutos Seculares enviou às Conferências Episcopais após a reunião Plenária do mês de Maio de 1983.

Voltando às origens desta vocação pude constatar como, desde o início, confluíram realidades profundamente diferentes entre si na nova forma reconhecida juridicamente pela Constituição Apostólica Provida Mater, sobretudo em razão da diferente finalidade apostólica. Foram mesmo os Congressos organizados pela futura Conferência Mundial dos Institutos seculares que permitiram um conhecimento recíproco – leio no supramencionado documento – que levou os Institutos a aceitar a diversidade (o chamado pluralismo), mas com a necessidade de esclarecer os limites desta mesma diversidade (Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, Os Institutos seculares: a sua identidade e a sua missão, 3-6 de maio 1983 n.4)

Este me parece um ponto fundamental. Penso que esta obra de acolhimento recíproco esteja ainda em processo e não se pode perder de vista a importância de manter viva a tensão e de aprofundar essa etapa. Igualmente, prossegue também o caminho de compreensão, como acabamos de ouvir no documento, dos limites dessa diversidade. Limites ou fronteiras, que têm raízes tanto na essência do Espírito, que sempre renova a terra com novas ofertas, como no tempo que a Igreja está vivendo. O atual é um contexto em que, - também na perspectiva do Ano da Fé estabelecido por Bento XVI, para celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II, - todo o povo de Deus, consagrados, presbíteros, mas também pastoralistas, canonistas, todos são chamados a colaborar para construir juntos novos caminhos de evangelização e de acompanhamento do homem do nosso tempo.

Compreendam bem que um tal discernimento exige uma atitude fundamental: a de não ter a pretensão de conhecer a verdadeira (e, portanto única) identidade de um Instituto secular. Pelo contrário, é necessário uma disponibilidade de fundo que permita descobrir como o outro declina, na sua própria espiritualidade e com a sua missão e modalidade de vida, a síntese entre consagração e secularidade; de que maneira seria possível manifestar, embora de maneira diferente, a originalidade e a unicidade da vocação nos diferentes âmbitos sociais, culturais e eclesiásticos.

Só através dessa dinâmica de diálogo e de acolhimento, que exige um arguto discernimento, tornar-se-ão todos mais edificados, porque poderão experimentar a grandeza de Deus que, para manifestar o seu grande amor pelo mundo, não se deixa fechar nos nossos estreitos entendimentos, mas sabe suscitar respostas que podem nos parecer extravagantes, mas que, certamente, são significativas e dão sentido à vida de cada um. Portanto, a partir do que vos une, poderão se confrontar não só nas diversidades, mas também nos desafios sempre novos que o mundo apresenta especialmente àqueles como vós, chamados a passar a vida numa “terra de fronteira”. Diante de novas problemáticas, pessoas como vós são solicitadas a procurar novos percursos que exprimam a atualidade da vossa missão, sempre prontos a pô-los novamente em discussão, confrontando-os quando os tempos e os lugares exijam novas elaborações.

Penso em uma das perguntas que me foram dirigidas durante o meu encontro com a Conferência Polaca dos Institutos Seculares que se realizou no mês de Novembro de 2011. Pediram-me uma reflexão acerca da necessidade de que os membros de um instituto secular mantenham a discrição sobre a sua vocação. Mais do que uma resposta, surgiu um convite a cada um dos Institutos para se confrontar, em seus próprios limites (dentro dos próprios institutos e também entre eles), sobre as motivações de tal discrição, questionando: “Porque se sente essa necessidade? O que quer dizer para a Igreja e para o Mundo?”. As respostas podem ser diferentes para cada instituto, para cada nação e para cada época histórica, mas, para verificar a atualidade e a eficácia de um instrumento, é necessário partir sempre do fundamento, do valor que se deseja realizar e exprimir.

Acredito que este seja um método possível para ativar aquele conhecimento que pode levar à comunhão e que deriva da comunhão.

Portanto, escutar-se reciprocamente, sem pré-compreensões, quer no interior de cada instituto, quer nos lugares apropriados de confrontação, para atingir um destino que, como sabem muito bem, é só uma etapa no caminho do Espírito!

Saibam que nesta obra não estão sozinhos: a Igreja, através das palavras dos Pontífices e do serviço da Congregação que represento, vos acompanha.

E aqui proponho um outro aspecto que é o de uma comunhão com a Igreja local. Aqui também recordo as palavras do Beato João Paulo II na conclusão da Plenária supramencionada: “Se houver um desenvolvimento e um reforço dos Institutos Seculares, também as Igrejas locais tirarão vantagem disso”.

Segue um duplo convite dirigido aos Institutos e aos Pastores: mesmo no respeito das suas características, os Institutos Seculares devem compreender e assumir as urgências pastorais das Igrejas particulares, e concitar os seus membros a viver com atenta participação as esperanças e as fadigas, os projetos e as inquietudes, as riquezas espirituais e os limites, numa palavra: a comunhão da sua Igreja concreta.

E mais, deve ser uma solicitude dos Pastores reconhecer e exigir a sua contribuição segundo a sua própria natureza. Em particular, cabe aos Pastores uma outra responsabilidade: a de oferecer aos Institutos Seculares toda a riqueza doutrinal de que precisam. Eles querem fazer parte do mundo e nobilitar as realidades temporais, arrumando-as e elevando-as para que tudo tenda a Cristo, como a um chefe (cfr. Ef l, l0). Portanto, que se dê a estes Institutos toda a riqueza da doutrina católica sobre a criação, a encarnação e a redenção, para que possam tornar próprios os desígnios sábios e misteriosos de Deus sobre o homem, a história e o mundo.

Hoje a pergunta de averiguação é imprescindível: em que ponto está esse percurso?

Naturalmente, neste lugar dirijo-me a vós, solicitando uma reflexão sobre o caminho que realizaram. Mas é uma pergunta dirigida também aos Pastores, convidados a favorecer, entre os fieis, uma compreensão não aproximativa ou acomodatícia, mas exata e respeitosa das características qualificadoras desta difícil, mas bela vocação. (trata-se sempre de palavras do Beato João Paulo II durante a Plenária)

A comunhão da qual falamos, é preciso nunca esquecer, é uma dádiva do Espírito Santo, cria unidade no amor e na recíproca aceitação das diversidades. Antes de traduções concretas a em nível comunicativo e estrutural, ela exige um caminho espiritual sem o qual – reiterava claramente o Beato João Paulo II – não podemos nos iludir, pouco valeriam os instrumentos exteriores da comunhão. Tornar-se-iam aparatos sem alma, máscaras de comunhão mais do que seus caminhos de expressão e crescimento. (Novo milênio ineunte, n. 43).

Cada um entre os presentes deve se sentir interpelado, como indivíduo, como Instituto e como Conferência, para identificar instrumentos e modalidades para que o ideal de uma plena comunhão eclesial, exposta em muitos documentos da Igreja, se torne comunhão real dentro da história.

Aqui também é prioritária uma atitude de fundo: nunca cedam à tentação da renúncia. Às vezes pode acontecer que as tentativas não deem frutos e o caminho não avance: também neste caso, não abandonem o destino! Não parem perante os insucessos, mas destes tirem nova força para ativar a criatividade; saibam passar do ressentimento à disponibilidade, da desconfiança ao acolhimento. Tragam as feridas à comunhão eclesial na oração, leiam com verdade as vossas responsabilidades, não deixem nada intentado e, no discernimento, retomem o árduo caminho para a comunhão.

No mês de Março deste ano, tivemos um encontro na Congregação entre os Superiores e o Conselho da CMIS, durante o qual o Conselho apresentou alguns assuntos para serem abordados juntos, relativos às três temáticas, assim subdivididas: O conhecimento recíproco; os critérios de discernimento da identidade dos Institutos seculares; o papel da CMIS.

Como Ministério, acolhemos com muito prazer a proposta, indicando uma possível modalidade de atuação: que esta Assembleia identifique o primeiro aspecto no qual concentrar uma reflexão comum; que indique os interlocutores com o Ministério e, sobretudo, que estabeleça a modalidade com a qual todos os Institutos possam participar da reflexão. Um exemplo de comunhão eclesial que estamos construindo!

Enfim, dirijo a todos um último convite: sejam promovedores de comunhão com as outras expressões de vida consagrada e as outras realidades eclesiais que partilham convosco alguns aspectos da vossa identidade ou missão. Penso nas outras formas de vida consagrada que partilham convosco a consagração para a profissão dos conselhos evangélicos no sentido canônico. Penso naquelas associações e nos movimentos que, como vós, têm uma presença evangélica no mundo, mesmo conservando uma missão e um estilo de vida profundamente diferentes. Esta proposta poderia parecer ousada, mas é sugerida pela vossa mesma vocação que vos leva a experimentar já dentro dos Institutos a riqueza da diversidade, e que torna o vosso viver um laboratório de dialogo.

Tenham disposição para conhecer estas realidades e, sobretudo, para vos deixar conhecer por elas: não se devem proteger de nada, têm só que mostrar a beleza da vossa vocação que, junto com as de muitos outros irmãos e irmãs, é expressão da riqueza e da vivacidade do Amor trinitário. Aquele Amor surpreendente e criativo, que supera a nossa capacidade de imaginação, e que torna a Igreja um magnífico jardim onde a multidão de flores e plantas permite a todos os homens encontrar e experimentar, na variedade dos odores e das cores, a profundidade e a alegria de uma vida cheia e boa.

N.B.: Agradeço a colaboração da Doutora Daniela Leggio, oficial da CICSVA para a pesquisa elaborada acerca dos documentos sobre os Institutos seculares.

TOP